quinta-feira, 24 de março de 2011

A queda das ditaduras versão 2.0

Durante uma revolução, a população costuma lançar mão das ferramentas que estiverem à sua disposição. No Egito e na Tunísia, o povo usou as redes sociais para derrubar seus tiranos

Guilherme Rosa
Revista Galileu


Nada de revolução do Twitter. O que vimos no mundo árabe foi a boa e velha revolução analógica. Os ditadores Hosni Mubarak, do Egito, e Zine el Abidine Ben Ali, da Tunísia, caíram por causa da pressão popular. Foram as pessoas na rua, enfrentando a polícia, e não comentários no Facebook, que derrubaram 53 anos somados de governos autoritários. Mesmo assim, é difícil negar o papel da internet na articulação dos protestos. As armas digitais, nesse caso, fizeram a diferença, com blogueiros entre os principais organizadores das manifestações. Por meio de seus perfis no Facebook e no Twitter, os rebeldes conseguiram disseminar suas ideias e planejar ações enquanto vídeos no YouTube mostravam ao mundo a brutalidade oficial dos governos ditatoriais. 

Logo que os protestos na Tunísia começaram, analistas políticos responsabilizaram um documento revelado pelo site WikiLeaks no final do ano passado. Escrito em julho de 2009 por Robert Godec, embaixador americano no país, ele informava que os Estados Unidos já tinham noção dos erros cometidos pelo governo de Ben Ali, que estava no poder desde 1987. A teoria dos analistas era de que o comunicado havia incitado o povo a agir contra o governo. No entanto, apesar das declarações sobre os abusos de autoridade do presidente e da corrupção dos governantes, o povo tunisiano já sabia de tudo que foi publicado pelo WikiLeaks. “Nada disso era segredo. Na verdade, é bom lembrar que as pessoas tomaram as ruas por causa de frustrações econômicas e políticas, não por causa da internet”, disse Ethan Zuckerman, pesquisador do Berkman Center for Internet and Society, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A discussão que se seguiu foi sobre qual seria a verdadeira influência da internet na queda desses tiranos. O escritor americano Clay Shirky, que estuda os efeitos da rede na sociedade, e o tunisiano Bechir Blagui, que dirige o site FreeTunisia.org, dizem que as redes sociais foram essenciais em ajudar os cidadãos a identificarem um descontentamento geral com o governo e agirem. “A tecnologia não causa revoluções, embora quase sempre possa ser usada em favor delas”, diz Zuckerman.
AFP Photo/Pedro Ugarte
Protestos offline: as manifestações contra Mubarak, no Egito, chegaram a reunir um milhão de pessoas. Boa parte dos participantes se organizou via internet
Crédito: AFP Photo/Pedro Ugarte

 Carrinho e tanque de guerra 
O verdadeiro estopim da revolução foi totalmente offline, no entanto: o verdureiro Mohamed Bouazizi, e não consta que ele tenha lido o WikiLeaks. No dia 12 de dezembro de 2010, o homem de 26 anos ateou fogo em si mesmo em protesto ao fato de ter seu carrinho apreendido e ser humilhado pela polícia. Em 4 de janeiro, Mohamed acabou morrendo, depois de quase um mês agonizando no hospital. Mais de 5 mil pessoas compareceram ao enterro. A partir daí, os protestos foram crescendo e se alastrando pelo país. Em 12 de janeiro, as manifestações já haviam saído do controle do governo, e o presidente teve de decretar toque de recolher. Quando o exército trocou de lado e se juntou à população enraivecida, Ben Ali soube que havia perdido a batalha. No dia 14, fugiu para a Arábia Saudita. 

Embora essa história possa ser contada sem citar a palavra internet uma única vez, a web foi peça importante em vários momentos. Durante os primeiros protestos na cidade de Sidi Bouzid, repórteres foram proibidos de ir até a cidade. As notícias acabaram disseminadas pelo Facebook. “A rede de TV Al Jazeera exibiu vídeos postados na rede social para mostrar o que acontecia ao resto da Tunísia e ao mundo”, diz Zuckerman. Antes mesmo dos protestos, os tunisianos já usavam vídeos para criticar o governo. Em um deles, a primeira dama aparecia viajando no jatinho presidencial para fazer compras na Europa. Já o Twitter serviu para comunicados mais urgentes: mudanças de planos nos protestos, pedidos de doação de sangue, contagem minuto a minuto do número de mortos e presos. E até para avisar da localização de atiradores escondidos. 
AFP Photo/Khaled Desouki
Manifesto das ruas: a polícia egípcia reage aos protestos pela saída do ditador Hosni Mubarak, na cidade de Suez, no norte do país
Crédito: AFP Photo/Khaled Desouki
Durante as manifestações, o governo chegou a prender blogueiros locais, como o estudante Sleh Edine Kchouk e Hamadi Kaloutcha, que cobriam os protestos. Mesmo um rapper conhecido como El Général foi preso por causa de um vídeo com uma canção sua que era extremamente popular no YouTube e criticava o presidente. Após a queda de Ben Ali, um dos blogueiros presos pelo governo acabou se tornando ministro do país. Slim Amamou, que era membro do Partido Pirata e se tornou famoso por sua luta contra a censura, assumiu o Ministério da Juventude e do Esporte na Tunísia. 

E não foi só o governo tunisiano que teve dificuldade de controlar o fluxo da informação. As notícias chegaram até os computadores e casas dos jovens descontentes de outros países árabes. “Eles acreditaram que, se os tunisianos eram capazes de destituir um presidente pela via popular, eles também poderiam”, diz Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, que estava na Palestina quando os protestos aconteceram. “O que eu vi foi um sentimento de que a crise poderia representar uma renovação no nacionalismo árabe na região”, diz. Habitantes de outros países árabes foram às ruas exigir mudanças em seus governos (veja no mapa ao lado). Nesse momento, a notícia da vitória dos rebeldes na Tunísia foi a faísca que faltava para estourar a bomba que estava armada no Egito. 
 A queda do faraó 

AFP Photo/Patrick Baz
Quartel-general: por meio dos seus laptops, blogueiros egípcios organizam os protestos que acontecem ali perto, na Tahrir Square
Crédito: AFP Photo/Patrick Baz
Desde 2008, o ditador egípcio Mubarak enfrentava uma nova oposição interna. Naquele ano, houve uma greve popular contra o aumento do preço dos alimentos. A greve foi debelada à força pela polícia e um jovem universitário de 28 anos, Khaled Said, morreu em um dos confrontos. Universitários e intelectuais formaram grupos políticos como o Movimento Jovem 6 de Abril (data da morte de Khaled) e We Are All Khaled Said (Somos Todos Khaled Said). Eles se organizavam de modo online, pelo Facebook, com uma rede descentralizada de ativistas, para planejar ações e disseminar suas ideias. Planejaram um protesto para o dia 25 de janeiro esperando uma centena de pessoas. No meio do caminho, chegaram as notícias da Tunísia e 10 mil pessoas foram para as ruas. Três morreram e mais de mil foram detidas. A partir daí, não havia mais como parar o movimento, e protestos quase diários varreram o país. 

Durante as manifestações, o Movimento Jovem 6 de Abril montou uma base no centro do Cairo, capital do Egito, de onde emitia folhetos, mensagens pela internet e orientações para as multidões na Tahrir Square, praça onde aconteceram os principais protestos. Uma das manifestações na praça recebeu a confirmação da presença de cerca de 80 mil pessoas pelo Facebook. O governo do Egito, então, bloqueou os provedores do país, deixando os internautas no escuro por cinco dias. Não adiantou. Os rebeldes usaram o que tinham à mão para se comunicar, desde rádios amadores e aparelhos de fax até SMS. O Google deu uma ajuda ao lançar, três dias depois do blecaute de internet, um serviço que transformava uma ligação telefônica num post de Twitter com a tag #egypt. No dia 11 de fevereiro, Mubarak caiu, deixando o Egito nas mãos de uma junta militar. 
AFP Photo/Fethi Belaid
Do blog ao poder: o blogueiro Slim Amamou, que chegou a ser preso por Ben Ali, assume o novo ministério da Juventude e do Esporte da Tunísia
Crédito: AFP Photo/Fethi Belaid
Em pouco mais de um mês, o mundo árabe se viu livre de dois ditadores. E podem cair outros nos próximos meses. Dá pra saber se essas revoltas aconteceriam sem as redes sociais? Difícil dizer, mas provavelmente teriam mais dificuldade de se organizar. “Antes da internet, sempre existiram revoluções”, diz Ethan Zuckerman. Ainda assim, elas foram ferramentas valiosas nas mãos dos ativistas e facilitaram o trabalho de organizar manifestações e divulgar suas ideias. Revolucionários do mundo, digitalizem-se. 
AS REBELIÕES NO ORIENTE MÉDIO
Revista Galileu
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 O cibercético 
O pesquisador bielorrusso Evgeny Morozov, que lançou em janeiro o livro The Net Delusion (A Ilusão da Net, sem edição em português), defende que a internet não vai acabar com o totalitarismo 

* Você acha que seu livro foi lançado num bom momento? Evgeny Morozov: Não posso reclamar do meu timing. Ganhei uma grande atenção da mídia sobre os meus estudos por conta disso. Na Tunísia, nós vimos que o governo estava tentando roubar as senhas do Facebook de quase toda a população. No Egito, vimos o governo explorando as redes de telefonia móvel para espalhar propaganda. Então nós definitivamente vemos governos autoritários usando as tecnologias para completar seus objetivos políticos. 

* O governo egípcio bloqueou a internet no país. O que esse ato representa? Morozov: Ele representa o desejo do governo de sobreviver. Eles também bloquearam os trens, então não foi só a internet. Durante uma revolução, passa a ser importante quem controla as ferramentas de comunicação. É um erro pensar que, só porque a internet pode ser usada por revolucionários, ela é uma ferramenta revolucionária por si. Os protestos no Egito e na Tunísia são guiados primariamente por queixas econômicas e políticas. 

* Por que você acha que a internet não traz democracia? Morozov: Não estou negando que algumas das características da internet possam ajudar a aumentar a mobilização ou o acesso à informação. No entanto, também existem características suas que proporcionam maior controle, vigilância e censura por parte dos governos. Além disso, companhias como Facebook e Twitter, apesar de suas intenções, nunca serão vistas como neutras. 

* E como o governo pode usar a internet para controlar a população? 
Morozov: Olhando para a literatura, vemos que o governo pode fazê-lo de duas maneiras: ao inundar as pessoas com entretenimento, tornando-as apolíticas (o que Aldous Huxley previu no livro Admirável Mundo Novo), e pela grande vigilância (o que George Orwell previu no livo 1984). Acho que os dois estavam certos e um governo autoritário inteligente tentaria praticar os dois tipos de controle ao mesmo tempo. 

2 comentários:

  1. Valeu galera pela postagem fico feliz de ter sido util a materia!
    É isso ai!Se os blogueiros no Egito deram conta de derrubar um regime absurdo daquele então mãos a obra!

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  2. Se o pensamento é derrubar, precisa-se ter projetos para depois levantar. Só caminha quem aprende a dar o primeiro passo.

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